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  • Artigo de Opinião: A Corte Constitucional para além das suas competências.

    Artigo de Opinião: A Corte Constitucional para além das suas competências.

    Como todos nós sabemos e vivemos, o ano de 2020 foi atípico por conta da pandemia gerada pelo COVID-19.

    Muito se discute sobre o retrocesso econômico causado pela paralisação e diversas outras consequências mundiais, que, é claro, afetam o nosso país.

    No ano em que o Brasil retrocedeu cinco pontos percentuais em seu Produto Interno Bruto[1], e ultrapassou a meta primária de déficit público federal em mais de 876 milhões de reais, muito se discute sobre o posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

    Em 2020, assistimos muitas teses tributárias serem encerradas pela Suprema Corte Brasileira. Mas, não se engane pela agilidade. Enquanto os advogados tributaristas aguardavam o desfecho de casos paralisados há mais de 20 anos, os quais envolveram altos debates essencialmente jurídicos, a Suprema Corte chamou à pauta temas há muito arquivados para, fugindo de sua competência, claramente, exercer o poder executivo.

    O Supremo Tribunal Federal, criado para defender os ditames constitucionais, ao completar seus 212 anos de existência, em 2020 nos convida, ao mínimo, a questionar o racicínio jurídico, ao passo que suas decisões permanecem em clara fuga a segurança jurídica por ele defendida e afirmada.

    Cada vez menos os nobres ministros têm prolatado decisões seguindo a ratio jurídica. Ao contrário, seguem elementos outros, como os aspectos sociais e econômicos. Ao menos na esfera tributária é o que temos assistido, com grande desconsideração e pouco creditamento. Além do que, não contamos com nenhum tributarista na composição da Corte.

    No último 18 de agosto o STF julgou o tema 846, que tratava da inconstitucionalidade do adicional de 10% sobre o FGTS. Em clara fuga à razoabilidade e à destinação da contribuição, a Corte decidiu pela constitucionalidade da exigência, aliviando os cofres públicos da obrigação de restituir o dinheiro ilegalmente destinado ao Programa Minha Casa Minha Vida. 

    Em 23 de novembro de 2010 o STF reconheceu a repercussão geral do Tema 325, em que se discute a constitucionalidade das contribuições ao “Sistema S”. Dez anos depois, ministros que haviam enraizado argumentos para defender o conceito fechado da norma constitucional (v. g. RE nº 559.937), decidiram pela constitucionalidade da exigência, mesmo inexistindo na Carta Magna qualquer menção à folha de salários como base de cálculo.

    Aos que não acompanharam o tema, para além das discussões jurídicas, o julgamento do RE 603.624 possibilitaria a continuação da política de desoneração da folha de pagamentos, retirando do setor considerável carga tributária incidente sobre o Sistema S (INCRA, SEBRAE, APEX, ABDI, SESI, SENAI, SESC, SENAC, SENAT).

    Não aconteceu. E neste ponto, cabe ressaltar enorme desapontamento: o problema não é perder, mas sim perder com uma decisão ruim!

    O Ministro Barroso, por exemplo, debruçou seus fundamentos sobre o papel social que as entidades detentoras da receita exercem, esvaindo-se completamente da competência tributária em si.

    Se, ao contrário, a Corte tratasse estritamente da análise jurídica, nos moldes da sua competência, diria-nos sobre os ditames constitucionais, modulando os efeitos, forçando a modificação do texto infraconstitucional pelo Congresso.

    Seria uma tentativa de compensação implícita para amortizar os efeitos da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS? Segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional a tese julgada a favor dos contribuintes já levou cerca de 250 milhões dos cofres públicos federais.

    Piçando fundamentos jurídicos para atingir a finalidade momentânea, alcançamos o verdadeiro “casuísmo Constitucional”. E nesse cenário de incertezas (econômicas e jurídicas), concluímos pelo relativismo extremo do texto Constitucional, tornando discussões tributárias cada dia menos tributárias: “a Constituição Federal não diz exatamente o que está escrito” “o texto é expresso, mas esconde outras clarezas”, “o é, pode ser”, “o que é vedado, se torna relativo”.

    Neste sentido, relembremos a sustentação oral realizada pelo ilustre professor Humberto Àvila nos autos do RE 603.624, que gastou considerável tempo explicando sobre regras gramaticais do enunciado normativo.

    A ratio utilizada pelo Supremo Tribunal Federal, como verdadeiro e legítimo tribunal constitucional e de última instância, será aplicada aos casos concretos discutidos nas instâncias inferiores, ainda em andamento, gerando instabilidade também sobre os ditames do Novo Código de Processo Civil, ou, não tão novo assim.

    Aqui podemos traçar breve comentário acerca da interpretação da lei processual, apenas para informação do leitor, alertando, desde já, que a Suprema Corte não tem o condão de julgar temas infraconstitucionais, quem o faz é o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

    Segundo a sistemática do CPC, com a decisão de repercussão geral da matéria tratada no case afetado, os processos cujo tema coincide com o tratado pela Corte permanecem sobrestados até a publicação do paradigma. Com a publicação, os demais casos voltam para as instâncias inferiores para readequação da matéria.

    Aparentemente, quando da edição da norma processual o legislador se esqueceu da possibilidade de oposição dos embargos declaratórios para modulação dos efeitos.

    Por isso, o CPC nos apresenta duas saídas: (i) para os processos com declaração de inconstitucionalidade anterior e contrária à decisão do STF, cabe à Fazenda Pública o ingresso de ação rescisória, (ii) já para os processos com desfecho posterior à decisão da Corte (aquela prolatada sobre o Recurso Extraordinário ou Agravo denegatório e antes da decisão sobre o aclaratório com efeitos modulatórios), permanece o título executivo inexigível.

    Sabendo que historicamente os litigantes têm se utilizado e aplicado os acórdãos paradigmas oriundos do RE ou AgRE, questiona-se: o acórdão paradigma seria aquele relativo à decisão dos embargos declaratórios interpostos para modulação dos efeitos? Certamente geraria menos incertezas, mas acrescentaríamos bons anos de espera aos contribuintes.

    O cenário pode ser visto, atualmente, sobre os processos em que se discute o tema dos cases RE 574.706/PR (ICMS) ou do RE 946.648 (IPI), onde grandes conglomerados econômicos já possuem trânsito em julgado executável perante a Receita Federal. Enquanto outros grandes assistem o desfecho incerto do tema, sem decisão favorável dos tribunais. Concorrência desleal?

    Veja, aqui não se trata exatamente da atuação do Supremo Tribunal Federal, e sim da ausência de definição da própria lei processual e da manifestação do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto. Certamente tal confusão criada pela má (ou não) interpretação processual deverá ser aclarada pelo STJ.

    Retornando à ausência de fundamentos jurídicos pelos Nobres Ministros, outro exemplo é o caso do terço constitucional sobre as férias indenizadas (Lei nº 8.212/91), afetado pela repercussão geral. Majoritariamente a Corte Suprema decidiu pela incidência das contribuições sobre a rubrica.

    Naquela oportunidade, o Ministro Edson Fachin aduziu não reconhecer no tema a índole constitucional, porém, como a maioria dos ministros havia declarado a existência (constitucional), ele precisaria ajustar seu voto para buscar elementos constitucionais para a não incidência da contribuição.

    Já o ministro Alexandre de Moraes baseou seu voto única e exclusivamente na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Onde está o fundamento constitucional?

    São votos superficiais, de fundamentos frágeis, que não se aprofundam nas discussões jurídicas levadas à última instância. Novamente, o Supremo Tribunal Federal trespassa a esfera constitucional das competências exclusivas do Poder Executivo. Montesquieu certamente está se revirando, onde que quer que esteja.

    Sobre a invasão de competências, alguns ministros já se manifestaram. Segundo o Min. Luiz Fux, “Essas questões todas deveriam, realmente, ser resolvidas pelo Parlamento. Mas acontece uma questão muito singular. O Parlamento não quer pagar o preço social de decidir sobre o aborto, sobre a união homoafetiva e sobre outras questões que nos faltam capacidade institucional.”[2]

    A fala do ministro nos mostra, dentre outros cenários, a presença do consequencialismo jurídico nas decisões tomadas pelo Poder Judiciário. Em tempos de crise econômica, certamente não se espera que o padrão normativo permaneça rígido. No entanto, não podemos nos olvidar das consequências.

    Ao decidir, pode o juiz utilizar elementos consequencialistas fundados em subjetividades? Certamente suas razões devem estar acompanhadas de fundamentos jurídicos. Mas as consequências sempre interferirão nas decisões. Vejamos o citado caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. Quantos bilhões serão restituídos?

    O consequencialismo judicial deve ser construído a partir de estimativas sérias, e a norma jurídica posta à discussão deve ser respeitada em sua integralidade. Somente assim evidenciaremos “que o direito serve à sociedade e não o contrário”.

    Dessa forma, concluo que, em que pese o caráter social frequentemente adotado pela Suprema Corte, fenômenos como o ativismo e o consequencialismo judicial oferecem sérios riscos para a legitimidade democrática quando mal utilizados, uma vez que além de politizar a justiça, causam enorme insegurança jurídica e conferem descrédito ao Poder Judiciário.

    O que esperar para 2021?

    Por Bruna Maria Martins.
    08 de janeiro de 2021.

     
    [1] https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/category/sumario-executivo/; e
    [2] Com casos recentes de ativismo judicial, STF estaria passando dos limites. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/com-casos-recentes-de-ativismo-judicial-stf-estaria-passando-dos-limites-0xrr654jsklj3ricw3gxexjn4.
     

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